AVENTURA: A INOCÊNCIA PERDIDA!

Por Cícero Lima 


Tenho a sorte de viajar todo dia de moto. Como moro em Atibaia e trabalho em São Paulo, percorro diariamente quase 150 km. Ao final do mês são 3.000 km, quando o ano termina já acumulo algo em torno de 40.000 km ao meu hodometro pessoal. Não importa a moto, não importa o clima, não importa nada estou sempre de moto.

Na solidão do capacete me permito pensar quantas coisas aconteceram em mais de 30 anos de motociclismo. Já viajei por vários países e pilotei quase todas as motos vendidas no Brasil. Mas vou confessar que estou com saudades, saudades da inocência que tinha quando fiz a minha primeira viagem.

Sai de São Paulo com uma Honda XL 125, ano 84, rumo a Ilha Bela. Além de mim estavam os amigos Marco Aurélio, Luiz “Bicho” Augusto e o Glauco – que foi com seu Fusca. Uma viagem curta é verdade, mas para mim uma grande descoberta.



Se você leu até aqui, vou pedir um favor: esqueça o politicamente correto e que sou um jornalista profissional. Daqui prá frente quem escreve é o amigo motociclista.
Lá pelo final dos anos 1980 o capacete ainda era uma raridade. Exigido apenas na estrada, servia para “o guarda não encher o saco”. Por isso enfiei meu Taurus – modelo cross – na cabeça e seguimos rumo ao litoral. Se disser por qual estrada descemos estarei mentindo. De bermuda, camiseta e mochila nas costas sentia o sol torrar o meu braço enquanto o motor da XL 125 brigava para acompanhar a Agrale SXT 27.5 do Marcão e a Honda XLX 350 do Luiz. Com seu Fusca rebaixado o Glauco sumia lá na frente.

Mas o que importava naquela época não era o tempo de viagem e sim “a viagem”. Estávamos de moto e com a maior liberdade do mundo. A cada bar fazíamos uma parada e a cerveja era nossa companheira para embalar as risadas e molhar os causos de estrada que contávamos sem o menor pudor. Nada como viajar com os amigos, sem preocupações e um pouco embriagado. É, a vida era assim nos anos 80 (risos)...
No meio da viagem nosso amigo Luiz fez amizade com umas garotas em um carro que também descia para a praia. Claro que paramos no próximo bar e lá vai conversa fora e marcamos de nos encontrar na Praia da Feiticeira, já em Ilhabela.

Para ser breve, a viagem demorou 12 horas. Chegamos em Ilhabela saímos a noite e dormimos na rua, acampados em frente a casa dos nossos amigos. Isso mesmo, acampados na rua pois a casa estava cheia.

No dia seguinte fomos jogar bola na praia e deixamos nossas tralhas no Fusca. Infelizmente os gatunos roubaram nossas coisas entre elas o meu capacete. Apesar de tudo, não esquentei a cabeça, arrumei um capacete emprestado com o Sergião, nosso amigo de Ilhabela, e seguimos viagem de volta para São Paulo, só eu e o Marcão, os outros ficaram na praia.

Capa de chuva? Isso nem fazia parte do nosso vocabulário. Mas quando pegamos uma tempestade o jeito foi parar em um barzinho as margens da rodovia Rio-Santos. Como a chuva não parava dormimos ali mesmo, com a permissão do dono do bar. Eu deitado sobre a mesa de bilhar, que ficava debaixo da cobertura de alumínio, e o Marcão encostado em um banco. Quando o corpo cansava a gente revezava.

Foi uma longa noite, mas nem se cogitava em reclamar. Na madrugada fui acordado com um revolver apontado para a minha cara. “O que vocês estão fazendo aqui?”. 

Mantive a calma e falei com o vigilante que havia permissão. Ele ficou tranquilo e ainda trouxe um café. Após um breve papo desejou boa noite, mas pediu que escondêssemos as motos no fundo do quintal. “As coisas estão estranhas, aqui na praia”. Você acha que fiquei preocupado? Voltei a dormir como um anjo...

Na manhã seguinte a chuva deu uma trégua e subimos para São Paulo. Claro que passamos frio no alto da serra, mas isso não fazia diferença afinal estávamos de moto “para o que der e vier”.

Chegamos em São Paulo na segunda pela manhã e a cidade nos brindou com seus engarrafamentos. Eu de tênis, bermuda florida, camiseta e mochila parecia ser de outro planeta com minha Xzelinha nos meios dos Fuscas, Brasílias, Corcéis e Opalas que infestavam nossas avenidas.

Ainda assim era o cara mais feliz do mundo, tinha feito uma viagem de moto e vivido aventuras que guardaria para o resto de minha vida.

Depois mudei de moto, viajei para o exterior, me tornei um jornalista especializado etc.. Mas a grande viagem de minha vida aconteceu com a XL 125 por conta da minha empolgação e inocência. Por isso sempre digo, nunca julgue o motociclista pela sua moto. Muitas vezes aquele piloto com sua motinha velha é a pessoa mais feliz do mundo, assim como eu era naquela viagem, por conta da minha inocência.


Comentários

  1. kkkk poxa, me lembrou meus tempos , andava sem capacete, saia pra azarar as menininhas na porta dos clubes, descia de madrugada pra Ubatuba, dava um " Tchibum " no mar e voltava na maior cara de pau..rssss
    Bons tempos, ótimas recordações....
    Ahh tb sonhava com uma "XLiinha" 125 ..... mas acabei comprando uma SXT 16.5 em 1985 e depois num larguei mais as Agrales.. rsss
    Giancarlo - Dakar 30.0 1987 - SJC/SP

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